Não é exagero dizer que James Louis Johnson é o inventor
de uma verdadeira escola dentro do jazz. Trombonista, compositor, arranjador e
bandleader, ele, praticamente sozinho, transpôs as novas possibilidades
harmônico-melódicas propostas pelo bebop para o seu instrumento,
modernizando-lhe a sonoridade e elevando-lhe a um inédito paradigma técnico.
Antes dele, o trombone era um instrumento quase anacrônico, cuja utilização era
inequivocamente reservada aos grupos de dixieland e orquestras do swing.
Assim como Parker no sax alto, Gillespie no trompete ou
Bud Powell no piano, o trombonista, mais conhecido no meio jazzístico por seu
apelido, J. J. Johnson, passou a ser fonte de inspiração e modelo para,
virtualmente, todos os músicos que o sucederam, como Curtis Fuller, Carl
Fontana, Slide Hampton, Julian Priester, Benny Powell, Bob Brookmeyer, Steve
Turre, Conrad Herwig, e o nosso Raul de Souza.
Ele nasceu no dia 22 de janeiro de 1924, na cidade de
Indianápolis, estado de Indiana. Sua educação musical começou cedo. Aos nove
anos já recebia as primeiras lições de piano, dadas pela mãe, a pianista
amadora Nina Johnson. Seu pai, o reverendo James Horace Johnson, era pastor da
igreja metodista e um homem extremamente severo e disciplinador. O contato com
a música, além do aprendizado em casa, se dava, essencialmente, por meio das
canções gospel cantadas na igreja comandada pelo pai.
J. J. estudou na Crispus Attucks High School e ali travou
contato com o jazz. Graças à idolatria por Lester Young, ele, aos treze anos,
decidiu se tornar saxofonista, optando pelo sax barítono. Menos de um ano
depois, e já influenciado pela sonoridade de precursores como Jack Teagarden,
Dickie Wells, Lawrence Brown, Trummy Young e J. C. Higginbotham, Johnson abandonou
o saxofone para se dedicar ao trombone, instrumento que haveria de consagrá-lo
e que ele, apesar das atribulações da vida futura, jamais abandonaria.
Sua primeira experiência profissional foi na banda de
Clarence Love, no ano de 1941, pouco depois de haver concluído o ensino médio. No
ano seguinte, foi contratado pelo bandleader Snookum Russell, cuja orquestra
tinha como destaque absoluto o excepcional trompetista Fats Navarro, de quem se
tornaria um grande amigo e que seria o primeiro músico a lhe mostrar uma
concepção mais moderna e arrojada do jazz.
Sobre a influência de Navarro, um músico apenas quatro
meses mais velho, Johnson declarou: “Naquela época ele já era um músico
completo e tocava em um nível elevadíssimo, enquanto eu era apenas um iniciante”.
Também naquela época, J. J. foi apresentado à música de Fred Beckett,
integrante da orquestra de Lionel Hampton e considerado um dos primeiros
trombonista a adotar uma abordagem mais moderna.
Após a sua saída da orquestra de Russell, Johnson retornou
à cidade natal. Desempregado e com poucas perspectivas profissionais, ele foi
trabalhar em um restaurante, como lavador de pratos. Sempre que podia, no
entanto, participava de gigs em clubes da cidade e uma de suas apresentações
foi vista pelo cantor Earl Coleman, que o recomendou para uma vaga na orquestra
de Benny Carter. Antes, porém, o trombonista foi submetido a uma audição pelo
saxofonista, conhecido por ser extremamente rigoroso na seleção de seus
músicos.
Aprovado com louvor, J. J. passou a fazer parte da big
band de Carter em 1942. As primeiras gravações do trombonista foram feitas naquela
orquestra, com destaque para o seu primeiro solo, em “Love for Sale”, durante
uma sessão realizada em outubro de 1943, para a Capitol. Também foi ali que Johnson
começou a escrever os seus primeiros arranjos. A partir de 1944, ele passou a
ser uma presença constante nos concertos do projeto Jazz at the Philharmonic,
realizados sobretudo em Los Angeles, com produção do incansável Norman Granz.
A convivência com Benny foi um grande aprendizado e J. J.
teve como colegas de banda, em suas diversas formações, gente do naipe do
baterista Max Roach, do trompetista Freddie Webster e do baixista Curly
Russell. Johnson costumava dizer que Carter “foi o músico mais impressionante
com quem já trabalhei”, mas a parceria acabou em 1945, após J. J. sofrer uma
agressão, por motivos raciais, depois de uma apresentação da orquestra em uma
casa noturna em Los Angeles. A separação foi amigável, tanto que ele deixou em
poder de Benny todos os arranjos que havia escrito para a orquestra.
Entre 1945 e 1946, o trombonista integrou a máquina de
swing de Count Basie, que na época vivia uma espécie de encruzilhada criativa.
Tanto é que durante os poucos meses passados ali, Johnson participou de
pouquíssimas sessões de gravação. Após deixar Basie, J. J. passou algumas
semanas na orquestra de Woody Herman, até ser contratado por Dizzy Gillespie,
cujo quinteto era um dos mais requisitados nos clubes da célebre Rua 52, em
Nova Iorque. Foi ali que Johnson aperfeiçoou a sua técnica e moldou sua própria
maneira de traduzir a sintaxe bop.
O patrão Gillespie ficou encantado com a abordagem
proposta por Johnson e percebeu que estava diante de algo completamente novo. O
trompetista declarou em uma oportunidade: “Eu sempre acreditei que o trombone poderia
ser tocado de uma maneira diferente, que um dia alguém ia inventar um novo
jeito de tocar esse instrumento. E Johnson é esse homem”. Apesar do bom
relacionamento entre os dois, o trombonista deixou Dizzy no ano seguinte, para trabalhar
com Illinois Jacquet, seu ex-companheiro na orquestra de Basie.
Ao mesmo tempo, J. J. começou a organizar seus próprios
grupos e realizar gravações como líder. Por seus conjuntos da época passariam
sumidades como os bateristas Shadow Wilson e Max Roach, os saxofonistas Sonny
Stitt e Sonny Rollins e os pianistas Bud Powell e Hank Jones. O trombonista
pode ser ouvido em várias gravações de Charlie Parker, realizadas em dezembro
de 1947, para a Dial Records. Essas sessões foram as primeiras lideradas por
Bird, após o seu longo e traumático período de internação no Camarillo State
Mental Hospital.
Em 1949, tendo deixado a banda de Jacquet, J. J. montou um
sexteto co-liderado por ninguém menos que Stan Getz e Fats Navarro. Embora
tivesse sido bem recebido pelo público e tocasse com regularidade nos clubes da
Rua 52, especialmente no Three Deuces, o grupo foi desfeito pouco depois. Ainda
naquele ano, é digna de registro a participação do trombonista no célebre
noneto de Miles Davis, que deu ao mundo o precioso “Birth of the Cool”, um dos
álbuns mais influentes da primeira metade dos anos 50.
Johnson chegou a participar dos Metronome All-Stars, no
início dos anos 50, fez alguns trabalhos com o trompetista Kenny Dorham e, em 1951,
co-liderou uma banda com o baixista Oscar Pettiford e o trompetista Howard
McGhee. O grupo excursionou pela Ásia, apresentando-se em bases
norte-americanas no Japão e na Coréia. De volta aos Estados Unidos, J. J.
excursionou com o “Jazz Inc.”, banda que reunia nomes como Miles Davis, Zoot
Sims, Milt Jackson (revezando-se no vibrafone e no piano), Percy Heath e Kenny
Clarke, cujos shows eram produzidos pelo lendário radialista e apresentador
Simphony Sid. O grupo não obteve a receptividade esperada, apesar dos talentos
envolvidos, e foi rapidamente desfeito.
As ofertas de trabalho começaram a se reduzir
drasticamente, motivo pelo qual Johnson se viu obrigado a trabalhar como
inspetor de projetos da Sperry Gyroscope Company, uma fábrica de equipamentos militares
com sede em Long Island. Foram dois anos de trabalho na companhia, conciliando,
na medida do possível, o emprego formal com gigs e gravações, incluindo algumas
sob a liderança de Miles Davis, como “Miles Davis, Vol. 2” (Blue Note, 1953) e
o clássico “Walkin” (Fantasy, 1954). J. J. também desenvolveu uma estreita
colaboração com o pianista francês Henri Renaud, então morando em Nova Iorque.
Somente em 1954, graças a uma iniciativa do produtor Ozzie
Cadena, da Savoy Records, o trabalho de Johnson voltou a receber o merecido
destaque. A proposta era arriscada: montar um grupo com uma sessão rítmica e
dois trombonistas, no caso J. J. e Kai Winding. Nascia o “Jay and Kai Quintet”,
um dos pequenos grupos mais interessantes daquela década e que causou verdadeiro
furor no universo jazzístico.
Antes do estrondoso sucesso do quinteto com Winding,
Johnson, ainda na condição de empregado da Sperry, lançou um álbum que tem um
lugar especial no coração dos seus fãs. Trata-se do formidável “The Eminent J.
J. Johnson – Volume One”. Gravado no dia 20 de junho de 1953, para a Blue Note,
o disco apresenta uma verdadeira constelação: Clifford Brown no trompete, Jimmy
Heath nos saxes tenor e barítono, seu irmão Percy no contrabaixo, John Lewis no
piano e Kenny Clarke na bateria.
Com seus riffs poderosos e sua melodia contagiante,
“Capri” é um tema de autoria do saxofonista Gigi Gryce e abre o disco. O esmero
de Johnson na articulação das frases é visível mesmo nos tempos mais acelerados
e seu domínio do idioma bop é absoluto. O toque de Heath é fluido, sumamente
fiel às concepções parkerianas, e seus duelos com o instigante Brown são de
tirar o fôlego. Clarke é um dínamo em fúria e contrapõe-se à discrição e à
solidez da dupla John Lewis e Percy Heath, cujo entrosamento vinha sendo
forjado no então nascente Modern Jazz Quartet.
Johnson é o destaque incontestável de “Lover Man”,
clássico de Roger “Ram” Ramirez, Jimmie Davis e Jimmy Sherman. O trombonista,
cujo sopro é sempre cálido e aconchegante, constrói passagens melodiosas e de
beleza singular, sempre com enorme bom gosto, refinamento e emotividade. O
breve solo de Lewis, límpido e gracioso, mas também de grande conteúdo
emocional, é uma resposta das mais eloqüentes àqueles que o acusam,
injustamente, de ser um intérprete excessivamente cerebral. As intervenções de
Jimmy Heath e Brown são parcimoniosas e elegantes.
“Turnpike” é o único tema do líder e quem merece os
maiores encômios é o endiabrado Clifford Brown. Com sua pegada agressiva e
desafiadora, quase insolente, ele exige dos companheiros uma entrega e uma
vibração em igual medida. Johnson e Jimmy Heath, que aqui utiliza o sax
barítono, mantém a excelência técnica em níveis estratosféricos e respondem às
provocações do trompetista com ataques igualmente alucinantes. Digna de nota
também é a vigorosa contribuição de Lewis, cuja postura revela um intérprete
destemido e um investigador profundo das entranhas harmônicas do bebop.
Lewis, contribui, ainda, com a intrincada “Sketch 1”, uma
balada em tempo médio que remete a seus sofisticados trabalhos à frente do MJQ.
O pianista também se encarrega pelo belíssimo arranjo, com Jimmy Heath mais uma
a bordo do sax barítono e Brown fazendo uma rara utilização do trompete com
surdina. O sexteto acelera o andamento na segunda metade da faixa e aqui é a
vez de Johnson chamar para a si a responsabilidade, encantando o ouvinte com
seu sopro caloroso e intenso.
Em “It Could Happen to You”, de James Van Heusen e Johnny
Burke, Johnson exibe mais uma vez suas qualidades de fabuloso intérprete de
baladas. As presenças de Brown e Jimmy Heath são discretas, sóbrias, quase
pontuais, e as atenções se voltam exclusivamente para o líder da sessão, que
brilha com uma plenitude solar. O acompanhamento comedido de Lewis, a percussão
minimalista de Clarke e a hipnótica condução de Percy fazem desta faixa a mais
lírica e pungente do disco.
Harold Arlen e Ted Koehler são os autores de “Get Happy”,
cuja levada infecciosa faz dela uma das preferidas pelos jazzistas. A melodia
possui as características inflamáveis que a aproximam do bebop e a versão do
sexteto é caudalosa, pulsante, com amplo espaço para os solos exuberantemente
ferozes de Johnson, Jimmy e Brown. Lewis alia sua técnica soberba à vitalidade
de um iniciante e improvisa com inteligência e empolgação.
Um álbum indispensável em qualquer discoteca de jazz e que
traz como um atrativo a mais três faixas-bônus, com takes alternativos de
“Capri”, “Turnpike” e “Get Happy”. Além disso, o disco que teve, originalmente,
Doug Hawkins na engenharia de som, é um dos raríssimos casos em que o mago Rudy
Van Gelder aceitou fazer a remasterização para o lançamento em cd, em 2001, o
que garante uma primorosa qualidade sonora.
Voltando à parceria entre Jay e Kai, os dois realizaram
centenas de apresentações em clubes e festivais pelo mundo, além de diversos
discos para selos como Savoy, Bethlehem, Prestige, Columbia e Atlantic, sempre
com grande aceitação por parte da crítica e do público. Pelos grupos dos
trombonistas passariam luminares do porte do guitarrista Billy Bauer, dos
pianistas Bill Evans e Dick Katz, dos baixistas Charles Mingus e Paul Chambers
e dos bateristas Kenny Clarke e Osie Johnson. Mas a fórmula havia se desgastado
e os dois decidiram se separar em 1956.
De qualquer maneira, os dois continuaram amigos e se
reuniriam várias vezes nos anos vindouros. Em 1958, excursionaram pela Europa,
em 1960 gravaram o excepcional álbum “The Great Kai & J. J.”, para a
Impulse!, e entre 1968 e 1969 gravaram dois discos para a CTI. Johnson e
Winding também podem ser ouvidos no excelente “Sassy Swings Again” (1967), o
último álbum de Sarah Vaughan para a Mercury Records, que também traz
participações de gigantes como Clark Terry, Charlie Shavers e Joe Newman.
Apesar de ser um sujeito reservado e discreto, Johnson era
muito bem-humorado. Reza a lenda que depois de uma performance do poeta e
escritor Jack Kerouac, um dos precursores da literatura beat e apaixonado por
jazz, no Village Vanguard, os dois passaram horas conversando. Em um dado
momento, Kerouac, que era amigo de monstros como Zoot Sims e Al Cohn e
raramente andava sem uma reserva amazônica de uísque, disse ao atento interlocutor:
“Na verdade, eu gostaria de ser músico, sabe? Acho que eu seria um grande
saxofonista”. Sem perder a compostura, o fleumático J. J. respondeu: “É mesmo? Não
sei porquê, mas acho que você tem mais jeito de trompetista”.
Johnson também era um homem bastante determinado. Foi um
dos músicos que mais combateram o chamado “cabaret card”, espécie de
autorização dada pela polícia de Nova Iorque para que os músicos pudessem tocar
na cidade. Esse sistema era francamente restritivo ao livre exercício da
profissão e freqüentemente era usado como mecanismo de coação, pois era
necessária a sua renovação periódica. Thelonious Monk, por exemplo, passou
vários anos sem poder se apresentar nos clubes de Nova Iorque porque o seu “cabaret
card” foi cassado.
Desde o final da década de 40 Johnson se encontrava
virtualmente impedido de tocar em clubes de Nova Iorque, porque seu próprio “cabaret
card” havia sido arbitrariamente cassado. Durante muito tempo ele conseguiu
driblar a vigilância policial, e para isso contava com a boa vontade dos donos
dos clubes. Além do mais, embora fosse um músico de sucesso – durante uma
excursão à Suécia, por exemplo, ainda nos tempos do quinteto com Winding, ele
havia levado vinte mil pessoas a um espetáculo ao ar livre – seu cachê era
relativamente modesto para um artista de sua envergadura.
O próprio J. J. relatou ao crítico Ira Gitler que os donos
dos clubes ficavam surpresos com o valor do cachê cobrado por ele. Consta que
um desses proprietários, durante uma temporada em um estado do Meio-Oeste,
teria lhe dito: “Mas como é possível um artista do seu nível cobrar tão pouco?
Eu estava disposto a pagar o dobro para ter você em meu clube”.
Durante um processo movido por ele contra o Departamento
de Polícia de Nova Iorque, seu depoimento, prestado no dia 14 de maio de 1959, foi
fundamental para a futura abolição dessa restrição absurda. Conhecido no meio
musical por sua seriedade, profissionalismo e cultura, J. J. impressionou o
juiz da causa, Jacob Markowitz, que aceitou seus argumentos e lhe concedeu um “cabaret
card” permanente, em um julgamento que acabou servindo como precedente para que
outros músicos obtivessem o mesmo benefício. Uma das testemunhas arroladas por
Johnson no processo foi o apresentador de TY Steve Allen, que comandava um dos
programas de maior sucesso da época.
Com o fim da parceria com Winding, Johnson formou uma
série de pequenos grupos, cuja principal característica era a excelência
técnica dos seus comandados. Figuras da estirpe dos saxofonistas Bobby Jaspar e
Clifford Jordan, do cornetista Nat Adderley, do baixista Arthur Harper, do
trompetista Freddie Hubbard, dos pianistas Wynton Kelly, Tommy Flanagan e Cedar
Walton e dos bateristas Elvin Jones e Albert “Tootie” Heath foram alguns dos
nomes que tocaram em suas bandas.
O trombonista gravou álbuns com Stan Getz (“Stan Getz and
J.J. Johnson at the Opera House”, Verve, 1960) e André Previn e excursionou com
Miles Davis no início dos anos 60. A partir daí, cansado da estafante rotina de
viagens e concertos, passou a priorizar o trabalho como arranjador e
compositor. Além disso, como confessou ao crítico Ira Gitler, queria poder dar
mais atenção à família, especialmente aos filhos adolescentes, Kevin e William,
que na época davam seus primeiros passos na música. Curiosamente, nenhum deles
optou pelo trombone. O primeiro escolheu a bateria e o segundo, o saxofone
tenor.
O intérprete Johnson gravou relativamente poucos álbuns
como líder durante aquele período, com destaque para “J. J.’s Broadway” (Verve,
1963). Já o compositor Johnson manteve uma agenda sempre movimentada. Uma de
suas composições, “Poem for Brass” foi incluída na compilação “Music for Brass”,
de 1957, organizada por Gunther Schüller, um dos maiores entusiastas da chamada
Third Stream, corrente jazzística que incorporava elementos da música erudita.
O tema chamou a atenção de John Lewis, que no final da
década de 50 também era o diretor artístico do Festival de Monterey, e o
pianista encomendou a Johnson algumas composições na linha da Third Stream. O
resultado veio sob a forma de duas peças extensas e sofisticadas, “El Camino
Real” e “Sketch for Trombone and Orchestra”, apresentadas por J. J. ao público
na edição de 1959 do festival. As influências mais visíveis nesses trabalhos
são de compositores eruditos como Maurice Ravel e Paul Hindemith.
Em 1961 foi a vez de “Perceptions”, suíte em seis
movimentos, executada pela primeira vez durante o First International Jazz
Festival, realizado no ano seguinte, em Washington, D. C., tendo Dizzy
Gillespie como principal solista. Outra obra de grande importância na carreira
de Johnson foi “Rondeau for Quartet and Orchestra”, gravada pelo Modern Jazz
Quartet, com a participação de uma orquestra de cordas e uma sessão de sopros.
Em 1965 Johnson gravou, em Viena, na Áustria, a sua
composição “Euro Suíte” ao lado de uma orquestra regida pelo maestro Friedrich
Gulda. Em 1968, Johnson compôs a suite “Diversions” para a American Wind
Symphony, orquestra baseada emPittsburgh. Ao mesmo tempo, desenvolvia uma
bem-sucedida carreira como compositor de jingles para publicidade e trabalhou
como consultor técnico da Marc Brown Associates – MBA Music, Inc. Naquela
companhia, suas sugestões foram bastante úteis para que Robert Moog
desenvolvesse sua principal invenção, o sintetizador.
Em 1970, a convite de Quincy Jones, Johnson trocou a
tranqüilidade de Teaneck, Nova Jérsei, pela vida frenética em Los Angeles, na
Califórnia. Ali, compôs ou arranjou trilhas sonoras para o cinema e a TV,
destacando-se filmes como “Across 110th Street”, “Trouble Man” (com Marvin
Gaye), “Cleopatra Jones”, “Top of the Heap” e “Willie Dynamite” e séries como “The
Mod Squad”, “Starsky & Hutch”, “Barefoot in the Park”, “Mike Hammer”, “The
Big Easy”, “Future Cop”, “Travels with Flip” e “The Six Million Dollar Man”, sendo
que muitas delas fizeram grande sucesso, especialmente a última, estrelada por
Lee Majors.
Embora tenha lançado alguns discos como líder nos anos 70
e 80, e tenha participado de gravações ao lado de Count Basie e Al Grey,
Johnson se manteve afastado dos palcos por praticamente quinze anos,
excetuando-se duas turnês pelo Japão, em 1977 e 1982, e uma excursão à Europa,
em 1984. Durante sua temporada californiana, ele também fez parte da Coconut
Grove Orchestra, sob a liderança de Sammy Davis Jr. e da orquestra do programa televisivo
de Carol Burnett.
Somente em novembro de 1987, novamente estabelecido em
Indianápolis, é que Johnson retornaria ao mundo do jazz e o fez com enorme
apetite. Montou um quinteto formado pelo saxofonista Ralph Moore, pelo pianista
Stanley Cowell, pelo baixista Rufus Reid e pelo baterista Victor Lewis, com o
qual realizou uma temporada de grande sucesso no Village Vanguard, em Nova
Iorque, seguida por uma turnê que englobou boa parte dos Estados Unidos, Europa
e Japão. No ano seguinte, novamente durante uma temporada no Village Vanguard,
gravou dois álbuns ao vivo, com um repertório composto por standards, lançados
pelo selo Antilles.
Em agosto de 1988, outro momento marcante em sua carreira.
Juntamente com o velho amigo Stan Getz, Johnson reuniu mais de 15 mil pessoas
em um concerto no Grant Park, em Chicago. No final daquele ano, durante uma
excursão pelo Japão, sua esposa Vivian sofreu um sério AVC e perdeu boa parte
dos movimentos. Durante os três anos seguintes, Johnson se dedicou
exclusivamente à esposa, cancelando todos os compromissos profissionais.
Com a morte da esposa, em 1991, ele retornou,
paulatinamente, às atividades. Naquele mesmo ano, gravou um álbum em homenagem à
falecida esposa “Vivian” (Concord, 1992). Naquele mesmo ano conheceu Carolyn
Reid, que se tornaria sua segunda esposa. Gravou para selos como Verve, Pablo e
BMG, participou de discos de Wynton Marsalis, Steve Turre e Abbey Lincoln e foi
indicado ao Grammy em diversas categorias.
Atuou como artista residente em várias instituições de
prestício, como a Kentucky State University, a Harvard University e o Oberlin
College. Sua última apresentação ao vivo, realizada em novembro de 1996, foi,
justamente, em uma instituição de ensino: um concerto no William Paterson
College. Em 1997 lançou seu último álbum, “The Brass Orchestra” (Verve), que
contou com as participações de craques como Jimmy Heath, Slide Hampton, Jon
Faddis, Wayne Shorter e Don Sickler.
Depois disso, preferiu permanecer em casa, em
Indianápolis, trabalhando exclusivamente como compositor e arranjador.
Respeitado e querido no meio musical, colecionou honrarias, como a inclusão do
seu nome no Down Beat Hall of Fame, em 1995, um doutorado honorário concedido
pela Indiana University, em 1988, e em 1996 foi a vez de receber o título de Jazz
Master, dado pela National Endowment for the Arts (NEA).
O trombonista escreveu dois livros, “J. J. Johnson
Collection: Trombone” e “Exercises and Etudes for the Jazz Instrumentalist”,
com as transcrições de seus solos e arranjos, ambos publicados pela editora Hal
Leonard. Em 2000 foi lançada a sua biografia, “The Musical World of J. J.
Johnson” (Scarecrow Press), escrita por Joshua Berrett e Louis Bourgois III. Naquela
época, todavia, ele já sofria os efeitos de um devastador câncer de próstata, cujo
tratamento não foi capaz de curar. O trombonista preferiu acabar com o
sofrimento, suicidando-se com um tiro na cabeça, no dia 04 de fevereiro de
2001.
Sua morte foi um choque para a comunidade musical e o seu
funeral foi acompanhado por dezenas de músicos de jazz, como Larry Ridley, Max
Roach e Jimmy Heath. Durante os serviços fúnebres, Slide Hampton apresentou um
arranjo de “Lament”, à frente de um naipe de nove trombones, elaborado
especialmente para homenagear o falecido amigo e grande inspirador. Entre os executantes,
estavam Steve Turre, Robin Eubanks e Phil Ranelin. Composições de sua lavra,
como “Wee Dot” e a própria “Lament”, permanecem até hoje como standards do
jazz.
Para o amigo Jimmy Heath, J. J. “foi o maior trombonista
da minha geração. Ele usava o trombone de uma maneira revolucionária, fazendo
as notas deslizarem suavemente e era capaz de falar a linguagem do bebop com
clareza e precisão extremas. Depois que ele surgiu, todo mundo queria imitá-lo”.
Steve Turre, um dos seus mais talentosos discípulos,
resumiu a importância de Johnson para o desenvolvimento do idioma jazzístico: “J.
J. fez com o trombone a mesma coisa que Charlie Parker fez com o sax alto. Ninguém
tocaria da forma como se toca hoje se não fosse o seu pioneirismo. Ele foi um
mestre do trombone, o mestre definitivo do século XX. E sua importância não se
resume ao intérprete, pois ele também foi um dos maiores compositores e
arranjadores da história do jazz”.
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